PESCADOR PORTOBELENSE
“O que eu mais queria era estar pescando”
Um acidente que parecia sem importância afastou Euclides da Silva do mar. Ficou a saudade
PORTO BELO — Antes de completar dezoito anos de idade, Euclides Francisco da Silva tirou os documentos e seguiu para Santos, no litoral paulista. “Do Chuí até o Arraial do Cabo, eu pesquei por tudo”, afirma o portobelense, morador do Centro. Chegava a ficar oito meses longe de casa. Quando voltava, tampouco descansava: arranjava algum bote para pescar na região. Até que, em uma tarde de maio, tudo mudou.
Euclides, ou “Quidinho”, hoje com 61 anos de idade, foi um dos homenageados com a honraria Pescador Portobelense deste ano. A distinção é concedida pela Câmara de Porto Belo a homens e mulheres que fazem da pesca um meio de vida e, através de suas trajetórias, mantêm viva a tradição e a economia que historicamente associam Porto Belo ao mar. A lei que a regulamenta, de número 2898, foi sancionada em 2020. Terceiro ano em que a cerimônia ocorre, neste 2024 a entrega foi feita na primeira semana de julho.
Parecia um incidente de menor importância: Quidinho capinava o mato na frente de casa quando espetou o pé numa espinha de peixe. Três dias depois, ao tentar comer uma fruta, pensou ter sofrido um princípio de derrame. Seguiu com a esposa a pé até o posto de saúde, mas desfaleceu no meio do caminho. Uma conhecida que passava de carro o levou até o posto. A última coisa de que se lembra foi dar entrada na emergência numa cadeira de rodas. Depois disso, foram 24 dias em coma.
“Aí, foi um perrengue, cara!”. Quidinho não teve um AVC, mas tétano. Passou 38 dias internado em um hospital de Blumenau. Colegas fizeram uma rifa para ajudar nas despesas, que se avolumavam. Passado um mês e meio, ao dar um simples espirro, pareceu que lhe cortavam o peito ao meio. Em decorrência da doença, os ossos se partiam. Precisou passar por cirurgia, mas esperou quase cinco anos pelo procedimento. No meio do caminho perdeu o benefício social. Vendeu o bote que havia comprado com sacrifício; vendeu rede, implementos. Em resumo, um perrengue.
O sofrimento e os desgostos ficaram para trás. Incapacitado para as exigências da profissão, Euclides arranjou um jeito de não parar: ele conserta as redes dos colegas. O dinheiro é pouco, mas Quidinho sabe os sacrifícios da vida de pescador. Por isso, reluta cobrar mais pelo trabalho. Aliás, “se não tiver dinheiro, não tem problema!”. Mais falta faz a pesca do camarão, que perseguia do nascer ao pôr do sol: “O que eu mais queria era estar pescando”. Em momentos de amargura, resta só um consolo: “Me pego com Deus para não desistir”.