Enforcado e algemado: homem com deficiência denuncia tortura da Guarda de Balneário Camboriú
Arthur*, de 31 anos, precisou se abrigar embaixo de um viaduto para se proteger da chuva quando saiu para andar de bicicleta em Balneário Camboriú, na manhã de 26 de janeiro de 2024. O passeio, no entanto, transformou-se em pesadelo. Homem com deficiência, Arthur* foi abordado por guardas municipais e, horas depois, acabou encontrado às margens da rodovia BR-101 com o cabelo cortado, marcas de corda no pescoço e de agressões pelo corpo.
O caso de Arthur se une à série de reportagens “À sombra dos arranha-céus”, do portal ND Mais, que conta também a história de outros quatro homens — Jairo*, Antônio*, Eduardo*, Felipe* — os quais denunciaram ter sido abordados pela Guarda Municipal nas ruas de Balneário Camboriú e internados, sob ameaça, na comunidade terapêutica Instituto Redenção, em Biguaçu.
As agressões denunciadas nas reportagens fazem parte da ação do MPSC, movida contra a prefeitura de Balneário Camboriú, que denuncia a violência da Guarda Municipal na abordagem de pessoas em situação de rua. No entanto, assim como os outros quatro homens ouvidos pelo ND Mais, Arthur* possui residência e não dorme nas ruas.
Janine*, irmã de Arthur*, explica que ele é diagnosticado com retardo mental moderado CID-10F71, o que significa que sua deficiência pouco prejudica seu comportamento. Há 13 anos, ela atua como curadora judicial do irmão, isto é, toma decisões por ele, desde que a mãe dos dois morreu.
Janine* conta que o irmão saiu por volta das 11h de bicicleta para ir até a casa de amigos. O passeio, que era comum pelas manhãs, costumava não durar mais que uma hora e acabava sempre com Arthur de volta em casa para o almoço. No entanto, naquela terça-feira, ele não voltou.
Por volta das 13h, Janine* lembra que estranhou a demora do irmão, mas, vendo que chovia forte, imaginou que ele poderia estar esperando o tempo melhorar para retornar à casa. Como precisava sair, Janine* deixou bolachas e um suco do lado de fora da casa, para caso o irmão retornasse com fome.
Quando voltou, por volta das 16h, Arthur* ainda não tinha chegado. Ela resolveu chamar os amigos do irmão e também seu marido, que procurou o cunhado pelas ruas de Balneário Camboriú. As buscas se alastravam por Camboriú, cidade vizinha, quando Janine* e seu marido tiveram notícias que um homem, com as características de Arthur*, havia sido encontrado com marcas de agressão às margens da BR-101.
‘Ele pedia pra eles pararem e eles não paravam’
Arthur* contou aos familiares que, após encontrar seus amigos, voltava para casa quando começou a chover. Ele estava abrigado embaixo da marquise do viaduto no momento em que dois agentes da Guarda Municipal de Balneário Camboriú o abordaram.
“Eles tiraram a camiseta e o moletom do meu irmão jogaram junto com a bicicleta dentro da da viatura. E aí algemaram ele, bateram nele algemado. Ele pedia para parar, mas ele não fala direito. Ele disse que ele pedia para eles pararem e eles não paravam. Bateram nele com o cacetete e depois enforcaram ele, cortaram o cabelo dele com tesoura, cortaram a calça dele e jogaram ele lá”, descreve Janine*.
A cena relatada por Arthur* também teria sido flagrada por uma pessoa que trabalha próximo ao local.
Janine* conta que o irmão estava consciente em boa parte das agressões, mas que desmaiou quando teve o pescoço amarrado por uma corda. Quando acordou, Arthur* relatou aos familiares que estava em uma área de matagal próxima à BR-101, em Itajaí. Ele desceu uma estrada de chão parou em frente a uma loja, onde foi socorrido.
Seu resgate teria sido feito pela Arteris Litoral Sul, concessionária da rodovia federal e pela PMSC (Polícia Militar de Santa Catarina). Ele foi levado para um PA (Pronto Atendimento), por volta de 18h15 do dia.
Procurada para responder sobre a suposta atuação da Guarda Municipal, a prefeitura de Balneário Camboriú não retornou até a publicação desta matéria. O espaço segue aberto.
MPSC aponta tortura e violência na abordagem da Guarda Municipal
O caso de Arthur* foi um de ao menos 12 relatos reunidos pelo MPSC (Ministério Público de Santa Catarina) que apontam tortura e violência por parte da Guarda Municipal de Balneário Camboriú.
O órgão catarinense levou o caso ao STF (Supremo Tribunal Federal), informando que o município agia contra ordens judiciais. No pedido, o Ministério Público argumentou que a prefeitura descumpriu a ADPF (Arguição de descumprimento de preceito fundamental) n.976/DF, na qual o STF ordenou, em 25 de julho de 2023, a proibição de remoções forçadas de pessoas em situação de rua e, inclusive, de seus pertences pessoais.
Em decisão tomada em 26 de março e publicada na segunda-feira (2), o ministro do STF, Alexandre de Moraes, intimou o Procurador-Geral da República, Paulo Gonet Branco, a se manifestar sobre o caso após os descumprimentos judiciais de Balneário Camboriú quanto às internações forçadas.
Procurada, a administração de Balneário Camboriú afirmou que “o município só vai se manifestar após notificação do STF, que deve ocorrer após manifestação do PGR”.
‘Higienização social’ em Balneário Camboriú
Em paralelo ao caso que tramita no STF, o TJSC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina) estabeleceu, no dia 18 de março, uma multa de R$ 10 mil para a prefeitura de Balneário Camboriú a cada nova abordagem forçada feita pela Guarda Municipal.
Embora continuasse acontecendo, os casos de violência nas internações involuntárias nos moldes de Balneário Camboriú já estavam proibidos pela Justiça catarinense desde outubro de 2023. Na época, o desembargador Hélio do Valle Pereira, relator do caso no TJSC, acusou a prefeitura de promover uma “higienização social” no município.
Na decisão de 18 de março, a juíza Adriana Lisboa, do TJSC, acatou pedido do MPSC, que reforçou as proibições feitas anteriormente à prefeitura e determinou a multa para cada novo episódio de abordagem forçada que fosse denunciado à Justiça. Segundo o despacho, devem que pagar essa multa, em caso de denúncia:
No pedido do MPSC, acatado pelo TJSC, foi citada a série de reportagens “À sombra dos arranha-céus”, na qual o portal ND Mais denunciou, em 11 de março, os casos de violência na cidade catarinense conhecida como a “Dubai brasileira”.
Procurada para responder a respeito da ação civil pública e da determinação da multa para prefeitura e agentes públicos, a prefeitura de Balneário Camboriú não retornou.
Matéria: NDMais